Livro: Cearense é aprovado em concurso mesmo lutando contra câncer

Não há dúvidas sobre o quanto é recompensadora a carreira pública – fato comprovado pelos milhões de brasileiros que, a cada ano, disputam milhares de vagas abertas em diferentes esferas. O caminho até a classificação é constituído por horas de dedicação aos estudos, dúvidas e aflições. Reprovações.

Para alguns, verdadeiras provações. Este é o caso de Thales Bezerra, que acaba de lançar Tudo que Passei para Passar – Quando desistir não é uma opção, editado pela Impetus. No livro, relata a superação de dificuldades enfrentadas pela maioria dos concurseiros. E narra em público seu drama particular. Maio de 2008.

Thales estava casado há quase um ano e morava na pequena Floriano, no estado do Piauí, onde já exercia o cargo de analista tributário da Receita Federal do Brasil. “Comecei a sentir dores no final da coluna, no cóccix. No início, pensei que fosse algo simples, mas as dores não passavam. Então, resolvi ir a Fortaleza, minha cidade natal, para poder ser melhor acompanhado. Com os exames, foi detectado algo anormal no reto. Por isso, os médicos optaram por uma abordagem cirúrgica.

Essa, por si só, já foi uma notícia difícil de receber, pois sou portador da Von Willebrand, uma doença hemorrágica semelhante à hemofilia. Feita a cirurgia, em agosto de 2008, o material foi retirado e enviado para biópsia. Tempos depois veio a má notícia”. Receber o diagnóstico de câncer sem dúvida foi o momento mais difícil, garante Thales.

“Fomos ao hospital eu, minha esposa Cris e, como não podia dirigir, por ainda estar em recuperação da cirurgia, pedi para meu pai nos levar. Entramos no consultório para falar com o médico apenas eu e minha esposa e, quando ele disse que era um câncer, ela desabou a chorar sem parar. Tive que me controlar naquele instante para ter força e poder ajudá-la, pois, naquele momento, ela precisava mais do que eu.

De imediato, também fiquei muito preocupado com meu pai, tinha medo de como ele poderia reagir à notícia. Tirei o pouco de força que me restava e pedi ao médico para ir falar com ele e dizer que estava tudo bem comigo. E assim o médico fez. Chegando em casa, chamei minha mãe no quarto e contei tudo para ela, pedi para que não contasse para meu pai nem para meus irmãos, pois não queria vê-los sofrendo por mim. Neste momento, ouvi as sábias palavras dela: disse-me que eu já estava carregando um peso muito grande nas costas para ter que me preocupar também com isso. E que todos deveriam saber, justamente para poderem me ajudar. Assim teve início minha luta contra o câncer.”

Um quadro médico preocupante

Thales tinha um Tumor Estromal Gastrointestinal, um caso raro que envolve estômago e intestinos – responsável por apenas 4% do total de tumores nesses órgãos. Além disso, apenas 5% deles ocorrem no reto, e geralmente atingem pessoas com mais de 50 anos de idade. Nas palavras do oncologista, era um tumor raro, em um local raro e com uma idade rara.

No total, entre 2008 e 2010, Thales passou por quatro cirurgias, onde foram retirados três tumores, todos classificados como de alta malignidade. As cirurgias eram bastante complicadas por conta da doença hematológica. Após o procedimento, o paciente tinha que fazer uso de medicação específica para conter o sangramento. As aplicações eram intravenosas e, na maioria das vezes, foram feitas pela Cris. Ela também fazia todas as trocas de curativo. Em pouco tempo, além de esposa, virou enfermeira.

Carreira Pública

Todo esse cenário se apresentou justamente quando Thales se preparava para dar um passo decisivo na carreira pública. Ele, que já havia prestado 13 concursos, e somava cerca de oito anos de preparação, mirava em um novos desafios. “Assumi o cargo de analista em junho de 2006 e, já no início de 2007 resolvi voltar a estudar, mas meu foco mudou. Passei a me interessar pela área de controladoria e tinha como objetivo o Tribunal de Contas da União e, por tabela, a Controladoria Geral da União.

Primeiro veio a prova do TCU. Como era de se esperar, não passei no de 2007, mas até que fui bem, pois consegui ser habilitado, algo a se comemorar já que a prova era no estilo uma questão certa anula uma errada. Pouco depois foi aberto o concurso para a CGU, já me sentia preparado para conquistar uma vaga, mas tive a infelicidade de contrair dengue duas semanas antes da prova. No final das contas, fiquei classificado em 146° e chamaram até o 133°. Faltou pouco para eu ser nomeado”.

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[mks_two_thirds]Logo depois, como o planejado, passou a focar no concurso do TCU de 2008. “Eu realmente acreditava que poderia passar, pois estava com um ótimo ritmo de estudo, contando com uma certa experiência na área de controladoria, mas foi nesse contexto que fui diagnosticado com câncer. Em 2008, passei por duas cirurgias e sequer consegui fazer a prova do TCU.[/mks_two_thirds]

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Lembro que elas estavam marcadas para os dias 2 e 3 de agosto e minha cirurgia foi agendada para o dia 4. No final de 2008, minha lotação na Receita foi transferida para Fortaleza para que eu pudesse ter um melhor acompanhamento médico. Com isso, fiquei na minha cidade e ocupando um bom cargo público. Mas, mesmo assim, o desejo de passar em outro concurso era muito grande.

Falei com meus pais e com a Cris sobre a vontade que tinha em voltar a estudar e todos foram contra, pois diziam que eu deveria me preocupar com a saúde, já que eu continuava sentindo muitas dores. Mas depois que viram o quanto aquilo era importante para mim, eles resolveram me apoiar. Como o concurso do TCU de 2009 já estava muito próximo, resolvi mudar o foco e voltar a estudar para a Receita Federal, almejando o cargo de auditor-fiscal. E assim fiz”.

Entre tratamentos e estudos

Mesmo sentindo muitas dores, Thales passou a estudar quatro horas por dia, no seguinte esquema: uma no intervalo do almoço e outras três em casa, quando chegava do trabalho à noite. “Nesse período, fiz aplicações de botox por três vezes para tentar diminuir as dores. Costumo brincar com meus amigos dizendo que fiz mais aplicações de botox do que muitas artistas famosas… Em setembro de 2009, foi aberto o concurso para auditor da Receita.

Fiquei todo empolgado, pois, apesar de terem muitas novidades em relação ao edital passado, não tinha nenhuma disciplina que fosse inédita para mim, já que havia estudado todas quando me preparava para a área de controladoria. Cheguei a comentar com alguns amigos que esse era ‘meu concurso’ e que tinha tudo para passar. Engano meu, pois uma semana depois tive diagnosticado outro tumor na mesma região. Um balde de água fria nos meus planos, até cheguei a fazer a prova, mas já não tinha mais chance. Mais uma vez meu sonho foi adiado por motivo de saúde”.

No período de 2008 a 2010, Thales sofreu exaustivamente com as dores. Mas houve, ao menos nessa fase, uma pausa para a felicidade. Também concurseira, Cris foi aprovada no cargo de analista de controle externo do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará. “Ela foi uma guerreira, pois conseguiu estudar e cuidar de mim ao mesmo tempo. Lembro que fui para a posse dela ainda me recuperando da terceira cirurgia.

Em 2010, fiz a última intervenção cirúrgica e, graças a Deus, as dores sumiram, mas havia outro problema a ser enfrentado. Foram retirados dois tumores e os dois classificados com de alta malignidade. Por isso, tive que iniciar logo um tratamento e no meu caso o mais indicado era quimioterapia por comprimido. Por consequência, passei a ter diversos efeitos colaterais. Tive que aprender a conviver com crises de labirintites, enjoos e dores musculares. E ainda teve um fato inusitado, comecei a mudar de cor da pele e ficar branco. Costumo brincar dizendo que estou virando o Michael Jackson…”, satiriza ele.

Novo diagnóstico na família

No final de 2011, enquanto ainda enfrentava os efeitos da quimioterapia, Thales resolveu voltar a estudar para o próximo concurso de auditor. Mas as coisas, novamente, não seriam fáceis. “A doença da Cris veio justamente nessa fase da minha vida. Aconteceu em maio de 2012, faltando dois meses para a abertura do edital da Receita.

Eu estava em casa quando ela me ligou do trabalho, chorando muito, pois já havia conversado com o médico e ele disse que havia sido detectado um carcinoma papilífero na tireoide, um tipo de câncer. Lembro-me dela chegando a casa já com o rosto inchado de tanto chorar, me abraçando e perguntando: ‘e agora, o que vamos fazer?’. Nesse momento, senti as mesmas dores da impotência que ela tanto sentiu. No mesmo mês ela fez a cirurgia, que foi um sucesso. Um ano depois, teve que fazer a Iodo terapia, e hoje está curada”.

Mesmo nesta fase conturbada, Thales insistiu, persistiu. Ele não se esquece do dia em que soube do êxito na disputa pelas vagas de auditor da Receita. “Estava em casa quando vi o resultado, mas não acreditei, fiquei paralisado sem atitude para nada, até que a Cris viu e começou a vibrar comigo. Foi fantástico, passei a ter sentimentos aparentemente antagônicos e difíceis de explicar, mas era algo como uma infinita paz interior caminhando lado a lado com uma explosão de euforia.

Lembro que nesse dia coloquei para tocar no volume máximo, por várias vezes, o Tema da Vitória, a vinheta da Fórmula 1, que embalava na tv nas vitórias do Ayrton Senna. Sempre gostei muito dessa música, mas um ano antes havia prometido para mim mesmo que só voltaria a escutá-la quando fosse aprovado. Finalmente, o momento havia chegado. Parece trocadilho, mas nessa ocasião olhei para o passado e vi tudo que passei para passar. Nesse instante, fiz o balanço e percebi que valeu a pena todo o esforço e dedicação.”

Hoje, Thales exerce o cargo de auditor e trabalha na Superintendência Regional da Receita Federal da 3ª Região Fiscal, em Fortaleza, como chefe da Divisão de Gestão de Pessoas. Também é instrutor da Escola de Administração Fazendária. “A carreira pública possui diversas vantagens que já são de conhecimento de todos, como estabilidade, boa remuneração e qualidade de vida. Mas, sem dúvida, um grande privilégio de ser servidor público é poder servir à sociedade, afinal esse nome tem sua razão de ser.

Acredito que todo servidor público tem a obrigação de conhecer e cooperar com a missão e os valores de seu órgão e assim acabar de vez com aquela imagem negativa que algumas pessoas ainda possuem da administração pública.”

Compartilhar para ajudar

Ao longo desta jornada, marcada por dificuldades naturais, e muitas outras extras, Thales confessa que, por pouco, muito pouco, não fraquejou. “Pensei em desistir diversas vezes. Frequentemente me perguntava se todos os reveses eram mensagens de Deus para eu parar de estudar. Mas, agora sei que não. Ele estava na verdade esperando o momento certo.

Sem dúvida, o período mais crítico foi o problema da Cris. De certa forma, eu estava psicologicamente preparado para enfrentar os meus problemas, mas nesse caso era diferente. Tinha medo de como ela iria encarar o desafio. E tudo isso em um momento muito delicado para minha preparação da Receita. Foi difícil ‘equilibrar os pratos’ entre os cuidados com a Cris e os estudos, mas felizmente deu certo”.

A inspiração para contar sua história em livro veio de um programa de tv. E da própria esposa. “Lembro de um caso de superação a que assisti no programa do Caldeirão do Huck no quadro Lar Doce Lar, que reforma as casas das pessoas. Essa história foi contada justamente em um momento difícil na minha vida, logo no início da doença, e ela foi fundamental para eu criar coragem e voltar a lutar.

Depois disso, falei para mim mesmo que quando superasse meus problemas iria contar minha história para poder ajudar as pessoas como eu também fui ajudado. Assim foi como nasceu o desejo de escrever a obra, mas a ação mesmo só veio graças aos estímulos da Cris, pois ela sempre dizia: ‘nós dois sabemos tudo que você passou, mas as pessoas lá fora não. Você precisa contar sua história, ela pode vir a ajudar muita gente’. Essa foi minha maior motivação para o livro, que conta com o prefácio do juiz federal William Douglas”.

LIVRO

No livro, Thales conta detalhes de seu método de preparação. Aqui, deixa uma mensagem de estímulo aos concurseiros de todo o país. “Estudar para concurso é também se preparar para eventuais insucessos, pois possivelmente eles virão. Esse é o momento para rever o planejamento e tentar melhorá-lo, pois pequenos detalhes podem fazer a diferença. Acho que o candidato deve lembrar-se daquele popular ditado que diz: ‘a fila anda’. Por isso, se ele continuar firme no propósito, terá sua vez. Sua hora vai chegar. Além disso, acredito que é fundamental ter força de vontade e dedicação, mas, principalmente, é fundamental acreditar. Esse verbo faz toda a diferença em nossas vidas. Como diz na música ‘Mais Alguém’, interpretada pela cantora Roberta Sá, ‘não deixe ideia de não ou talvez, que talvez atrapalha’. É preciso acreditar”, conclui.

Aos 33 anos, completados em 23 de maio, Thales Vinícius Santiago Bezerra continua em tratamento, sem prazo para concluí-lo. “A medicina não sabe responder se a quimioterapia apenas inibe que o tumor volte ou se um dia irá me curar. Infelizmente é uma dúvida com a qual tenho que aprender a conviver. Mesmo assim, graças a Deus, estou bem e vivendo uma ótima fase na minha vida. Recentemente, recebi o dom da paternidade com a chegada de uma linda menina, que, sem dúvida, veio para abençoar ainda mais nossa união”.

Apesar da dúvida em relação aos recursos da medicina, Thales não hesita em apostar no futuro. Seu exemplo de vida faz lembrar a máxima de outro ditado: “vamos em frente, que atrás vem gente”. Faz todo o sentido. Alguém aí discorda?       FONTE: FOLHA DIRIGIDA

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