Mais do que sorte e talento, Tabata Amaral de Pontes, de 22 anos, atribui suas conquistas às oportunidades. Foram as bolsas de estudo e mentorias que abriram de vez as portas para que a aluna esforçada de escola pública na periferia de São Paulo conseguisse na Universidade Harvard , nos Estados Unidos, seu diploma de graduação em ciências políticas e astrofísica.
Desde junho de volta ao Brasil, a filha de ex-vendedora de flores está envolvida em um projeto social que ajudou a fundar, o Mapa Educação, que busca mobilizar os jovens para que a educação seja prioridade no debate político. Em agosto, começará a trabalhar em um fundo de educação de uma empresa multinacional em São Paulo.
Trajetória olímpica
Bem antes da vaga de emprego em uma multinacional, ainda quando estudava na rede pública e tinha 12 anos, Tabata começou uma carreira como “atleta” do conhecimento. Ao todo, colecionou mais de 30 medalhas em olimpíadas de física, química, informática, matemática, astronomia, robótica e linguística.
A possibilidade de morar e estudar no exterior começou a se desenhar quando Tabata teve a oportunidade de deixar a rede pública. À época ela tinha sido destaque na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep) e ganhou uma bolsa no Colégio Etapa.
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[mks_two_thirds]O colégio também bancou moradia e alimentação da estudante porque sua casa ficava distante, e os pais não podiam arcar com a despesa. Lá viu os horizontes se alargarem e ouviu pela primeira vez sobre a possibilidade de fazer faculdade fora do país.[/mks_two_thirds]
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Quando estava no segundo do ensino médio ganhou uma bolsa da escola Cellep para estudar inglês e contou com a ajuda de instituições para cobrir os gastos do application (processo de candidatura às vagas das universidades norte-americanas).
Quando enfim escolheu Harvard, há quatro anos, Tabata também tinha sido aceita por outras cinco universidades americanas, entre elas, Caltech, Columbia, Princeton e Yale.
CINCO MITOS SOBRE ESTUDAR FORA
Tabata selecionou e deu sua opinião sobre conceitos que “perseguem” os candidatos:
1) É preciso ser gênio
Para ser aceito em uma universidade americana, é preciso ser mais que bom aluno. As atividades extracurriculares são muito bem vistas pelos avaliadores. O diferencial de Tabata foi a paixão pelas ciências e pelas olimpíadas. Para ela, não há nada de genialidade por trás das aprovações.
“Tem pessoas que gostam muito de algumas áreas e são dedicadas, por isso acabam indo bem. Harvard vai valorizar que você tenha uma paixão, que se dedique e faça alguma coisa bacana com isso para a sociedade.”
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2) Só ricos estudam lá
Fazer graduação em uma universidade americana de ponta pode custar até R$ 500 mil, incluindo mensalidades, hospedagem e alimentação durante os quatro anos. As bolsas são concedidas a partir da situação socioeconômica da família, e não por mérito. Se o aluno foi aceito, a instituição vai dar as condições para que ele estude, independentemente de sua condição financeira.
Tabata é filha de uma ex-vendedora de flores e tem um irmão, mais novo, universitário. O pai trabalhava como cobrador de ônibus e faleceu pouco antes de ela embarcar para o exterior. A família não poderia arcar com nenhuma despesa. Ela recebeu bolsa integral da universidade e ajuda de custo para transporte, passagens aéreas para o Brasil e compra de livros, mas trabalhou durante o curso para poder ajudar a mãe no Brasil. “Nada que atrapalhasse meus estudos.”
Para ela, falta de dinheiro não é impeditivo. “Se você tem um sonho grande de estudar nos Estados Unidos e não tem como pagar, não desista por isso. Eu realmente não poderia pagar um centavo e consegui.”
3) Inglês tem de ser fluente
O application exige um teste que mede da proficiência do aluno no inglês (Toefl) e uma prova chamada SAT, uma espécie de Enem americano, toda em inglês. A ideia é medir o quanto o aluno domina o idioma. No entanto, para ser aprovado, no processo como um todo, a fluência no inglês não é determinante.
Tabata aprendeu inglês em um ano, depois que ganhou a bolsa do Cellep. Ela conta que conseguiu ter notas suficientes nas provas do application , mas não era fluente.
“Tinha um inglês muito ruim. Chegando em Harvard tive dificuldade de me comunicar com os americanos, tanto que meus melhores amigos são os latinos e os indianos. Fui sentir que estava fluente só depois do meu primeiro ano, quando fui entender música e filme.”
Ela conta que só foi fazer piadas em inglês no último ano de curso. “Lembro da primeira vez que alguém falou para mim: a Tabata também está engraçada em inglês. Não lembro o que eu disse, mas um amigo falou: nossa ‘ up grade ’!”
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4) Quem estuda nos Estados Unidos não volta para o Brasil
Ficar nos Estados Unidos nunca foi um projeto, mesmo com as pessoas dizendo que retornar ao Brasil seria uma “burrice.” Ela elenca pelo menos dois motivos: o contexto político pelo qual o país atravessa e a vontade de impactar a educação.
“Eu estudei ciências políticas, sou fascinada por esse tema. A gente está passando por um contexto histórico muito importante para o Brasil. Então, quer laboratório mais bagunçado e mais interessante para quem gosta de aprender como esse?”
Tabata diz que se ficasse nos Estados Unidos seria mais difícil voltar depois ao Brasil. “Lá a vida é mais fácil, mais segura e mais meritocrática. Só que eu quero ter impacto aqui, entrar para a política. Nunca considerei ficar.”
5) Meritocracia: quem quer consegue
A história da brasileira inspira muitos comentários do tipo “quem quer consegue”, mas para ela, suas conquistas não têm a ver com mérito.
“Vivemos em um país muito desigual e injusto. Tive a benção de ter muitas oportunidades bacanas e aproveitar. Esforço é muito importante, mas se eu não tivesse tido essas oportunidades eu não estaria aqui.”
Ela diz que sua trajetória prova o quanto a educação pode transformar e servir de inspiração. “Se você pegar a população brasileira e der uma educação de qualidade, boas oportunidades, nosso país vai ser mais justo e mais bacana. Não dá para falar ‘quem quer consegue’ porque não é assim. Quem quer e está em uma escola pública de baixa qualidade em uma cidade pequena, não consegue. Sinto muito, mas é verdade.”
Dificuldades e lições
A adaptação em Harvard não foi fácil. Ela embarcou logo após perder o pai, teve dificuldades com idioma, com a “comida sem sabor” e com o frio, que chegava até 27 graus negativos. “Me senti sozinha e cheguei a me questionar se aquele era realmente meu lugar.”
Mas vieram os amigos e a vida, entre estudos e trabalho, foi tomando rumo. “Levou um tempo para eu me encontrar, mas Harvard passou a ser um dos meus lugares preferidos no mundo que eu sinto muitas saudades agora.”
De lá, a maior lição que fica é a importância das pessoas. “Quando você passa quatro anos com gente tão fora de série, você se sente com vontade de fazer mais. Não importa o que eu faça, vou me preocupar em estar perto de pessoas que sabem muito mais do que eu. O que te faz crescer são as pessoas.”
Fonte: G1